Música
A rua 12 apresenta seus herdeiros
Celebrando 25 anos de carreira, Rapper Guido CNR se inspira na própria trajetória para compor um álbum visceral e contundente
Foto: Carlos Queiroz - DP - Guido CNR, junto aos protagonistas da série de vídeos relacionados ao disco, concretiza o projeto de fazer um curta
Quem conhece a arte musical de Guido CNR, Zudizilla, Poka Sombra, DJ Micha e Pepzi sabe o que eles têm em comum. Integrantes do movimento Hip hop, estes artistas de Pelotas têm nas suas trajetórias um outro ponto de convergência, a rua 12 do bairro Dunas. Foi lá que desde o final dos anos 1990 eles foram forjados pelo rap, um puxando o outro, um dando força para o outro, numa espécie de irmandade que ajudou a abrir caminhos na música como profissão, tudo no mesmo lugar.
"É como se fosse um canteiro de plantio, onde nasceram esses grandes artistas", diz Guido CNR, que, ao celebrar os 25 anos de carreira, traz para seu novo álbum as boas e más vivências e o legado dessa experiência, que marcou suas vidas. O resultado é uma obra visceral e um relato contundente sobre violência, abandono e superação, sem perder de vista toda a musicalidade do cantor, compositor e MC, que reafirma com Herdeiros DR12 sua missão de seguir abrindo portas sonoras.
"É uma história baseada na rua 12. Mas antes de contar a história do artista, quis contar as dificuldades que o bairro nos traz, como negros e jovens periféricos. Como a gente conseguiu passar por todas as dificuldades, achar na arte um caminho. A gente faz praticamente um milagre de trabalhar com pouco recurso e conseguir sobreviver e ter esse reconhecimento da galera de São Paulo e de outras partes do Brasil, pra isso a gente tem que trabalhar dez vezes mais que os outros para poder aparecer e a gente tá no cenário nacional", explica o rapper. O álbum tem participações de Zudizilla, Zombie Johnsonn, Pedro Mendes, Rafael Pepzi e Sulfac. Com produção de Julia Nogueira, Perello Beats, Lino Leal, Felipe Menegoni e Vídeos de Maicon Duarte e GFilmes Produtora. A capa é de Gabriel Veiz.
Herdeiros DR12 traz oito músicas que contam uma trajetória, são letras fortes ritmadas por uma melodia que, por vezes, explora bem o aspecto sombrio das situações relatadas. Nas rimas Guido não aborda só o tráfico e a violência que permeiam as vidas das pessoas nas comunidades mais vulneráveis desta e de outras cidades brasileiras. O rapper vai além ao abordar a complexidade social que fomenta as tragédias e aponta o dedo para o crime político, para o descaso aos cidadãos das periferias, a violência policial, o racismo.
"Eu falo do ciclo do crime, porque o jovem periférico vive nesse ciclo. Eu conheço netos, que estão no mesmo caminho do avô. Parece que o filme tem sempre o mesmo roteiro e para sair desse ciclo, tu conta com a sorte e muita força de vontade para encontrar o caminho certo, porque é praticamente impossível sobreviver com as oportunidades que se tem. Mas acredito que a regeneração é a salvação."
Guido sabe que suas rimas estão ferozes e objetivos. "Eu trago uma crítica muito forte quando se fala que bandido bom é bandido morto. Isso é só pro preto de periferia. Ninguém fala isso pra um político. A galera bate continência pra um político que é criminoso. Muita gente vai se doer, mas quero que doa mesmo, que eu quero que eles reflitam que o mundo não é como eles imaginam. Dentro da periferia, só sabe como é quem vive lá."
O rapper comenta que quando se fala das histórias da rua 12, é bom lembrar que essa é só uma rua, mas que existem muitas outras replicando trajetórias semelhantes de lutas, vitórias e derrotas. "Esse disco é isso, pra tocar na ferida mesmo, jogar esperança pra galera, musicalidade, quando eu fala que sou rapper há 25 anos, eu preciso ter a essência do Guido CNR, porque o rap muda de ano pra ano. Eu sempre fui um cara crítico e procuro trazer essa essência sempre, mas com musicalidade nova."
Para outras gerações
Hoje, exemplo de superação, Guido CNR abre nesta obra os arquivos da própria memória para provar que ele já passou por muitas e péssimas situações. Por exemplo, na composição que dá título ao álbum, Herdeiros, ele revela as tragédias que assolaram a própria vida e o levaram a duas prisões, uma em 2002 e outra em 2011. "Nasci em 1980, quarto filho de sete irmãos…".
"O rap ocupou o lugar do meu pai, dava o puxão de orelha e dizia: "Ou tu faz isso, ou tu faz aquilo, não pode fazer as duas coisas. Não vai conseguir fazer a arte com o crime". Demorou um tempo pra eu aprender, mas o rap me levou para aquele caminho e mal sabia que eu ia conseguir ser exemplo ou incentivar outros MCs, o Zudizilla hoje faz shows no Brasil inteiro
"Eu me vejo como um exemplo hoje. Meu filho pequeno viu a minha trajetória de vida, que não foi fácil, mas eu consegui dar essa volta por cima. Quero levar para o meu filho e para outras crianças e irmãos, um Guido diferente, que tu podes dizer: 'Bah é da hora ser igual ao Guido.' 'O Guido conseguiu, eu também posso conseguir'."
Um curta
O álbum nasceu da vontade de Guido contar um pouco das histórias vividas na rua 12 em um curta. "Eu pensei nesse disco porque eu já tinha um roteiro que eu tinha vivido lá, daí eu liguei ao Maicon Almeida (diretor de arte), o cara dos vídeos, o único que poderia passar essa visão para a telinha." Por isso, junto com o lançamento do disco, que ocorreu na terça-feira, estão sendo apresentados videoclipes de cada uma das composições.
Os vídeos, que ainda estão sendo gravados em uma rua do Areal, semelhante à rua 12, vão compor um filme. Guido reuniu recursos, comprou alguns equipamentos básicos e chamou uma galera que realmente mora na periferia para que eles passassem mais realismo à cena. "A gente tá fazendo um curta que está saindo por episódios. São oito vídeos baseados no disco e na história real. Toda terça-feira a gente vai lançar um vídeo. A primeira que sai é Bad boy", fala CNR.
O roteiro do curta conta a história de dois garotos, vividos pelos adolescentes Ryan Correa Coimbra e Richarlysson Monte Negro de Moura, da mesma comunidade, que percorrem diferentes trajetórias ao tentar driblar a dura realidade imposta aos esquecidos pelo sistema. "Tem o Guido que é traficante e tem o Guido que é o artista, tem os dois caminhos."
"Mesmo não tendo uma, é mais nessa pegada mesmo, entre o crime e a revolução. A gente quer que não seja só um vídeo, tem que conversar com a música e com a história dele e isso às vezes é complicado de fazer, para não pesar só para um lado", fala Maicon Almeida.
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